segunda-feira, 3 de outubro de 2016
terça-feira, 17 de maio de 2016
Visão crítica do romance
VISÃO
CRÍTICA do Memorial do Convento
Tendo como pretexto a construção
do convento de Mafra, Saramago, adoptando a perspectiva de um narrador
distanciado do tempo da diegese, apresenta uma visão crítica da sociedade
portuguesa da primeira metade do século XVIII. É neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de romance histórico, uma vez que não
se trata de uma mera reconstituição de um acontecimento histórico, mas é antes
um testemunho intemporal e universal do sofrimento de um povo sujeito à
tirania de uma sociedade em que só a
vontade de el-rei prevalecem o resto é nada (XXII).
Logo desde o início do romance é
visível o tom irónico e, até mesmo, sarcástico do narrador relativamente à
hipotética esterilidade da rainha e à infidelidades do rei. Esta atitude
irónica do narrador mantém-se ao longo da obra, denunciando o comportamento
leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as promessas megalómanas de que
resulta o sofrimento extreo de homens que
não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam
(XIX).
O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da
instauração de um regime repressivo entre os seus seguidores e que
constantemente quebra o voto de castidade, também não escapa ao olhar crítico e
sarcástico do narrador. A actuação da Inquisição que, à luz da fé cristã,
manipula os mais fracos é de igual modo criticada ao longo do romance,
nomeadamente, através da apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às
pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram os condenados.
Assim, são sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado
o alvo da crítica do narrador
que denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração
do povo – evidenciada nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento
de Mafra; ao mesmo tempo que denota empatia
face aos mais desfavorecidos, cujo esforço elogia e enaltece.
A crítica estende-se, ainda: à Justiça
portuguesa que castiga os pobres e despenaliza os ricos, ao facto de se
preterir os artífices e os produtos nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como ao adultério e À corrupção
generalizados.
Em suma, Memorial do Convento constitui acima de tudo uma reflexão crítica – ao problematizar
temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor – conducente a
uma releitura do passado e à
correcção da visão que se tem da História.
quinta-feira, 12 de maio de 2016
quarta-feira, 13 de abril de 2016
quarta-feira, 30 de março de 2016
quarta-feira, 16 de março de 2016
terça-feira, 15 de março de 2016
correção do teste
A
O poema tem como tema o apelo ao Mestre da Paz, para que
venha reerguer a pátria e desenvolve-se de forma linear, dado que a primeira estrofe
funciona como introdução, onde se endereça o pedido àquele que no momento jaz
adormecido, inconsciente, ainda, do destino que lhe está reservado. Na segunda
estrofe, o apelo continua e começam a desvendar-se as razões que lhe estão
subjacentes: a pátria espera que “ele” a venha erguer, isto é, o povo sofredor
exige dele a “suprema prova”, que o fará atingir a “Eucaristia Nova”, ou seja,
a glória de outrora, a projeção da nação. Na última estrofe, a exortação ao
“Mestre da Paz” prossegue, mas aqui é percetível a recompensa reservada ao
“Galaaz” que usou a espada ungida, cuja “luz” permitirá à nação revelar-se.
2. O tom exortativo estende-se por todo o poema,
traduzindo a angústia e a aflição do sujeito poético que, através das
apóstrofes e do imperativo, reclama a presença do predestinado (D. Sebastião),
de modo a que a glória do povo português possa ser restabelecida e a nação saia
do estado de inércia em que se encontra.
4. O apelo resulta não só do estado
decadente da nação mas também porque o povo português continuava a depositar a
sua fé, a sua esperança, em D. Sebastião, vendo nele o salvador, o redentor da
pátria adormecida, apenas envolta em glórias antigas que urgia recuperar.
B
4. O espaço
representado é o “Horizonte”, caracterizado como uma paisagem à beira-mar
(“pinhal verde”, “naquele pedaço de mar”, “areais”). É um espaço associado a
dois tempos: o presente, captado pelos sentidos, e o passado, evocado pela
memória; surge descrito como vazio, local de finitude e de esterilidade
(“Horizonte vazio”, “linhas vazias… e gastas”, “Árvore morta sem fruto”),
traços estes que marcam esse lugar no presente. Porém, no passado, foi cenário
de festa e de sonho, mas esse tempo e esse espaço estão irremediavelmente
perdidos.
5. Nas terceira e quarta estrofes destaca-se a “fabulosa festa” de que o
“Horizonte” foi palco e, por isso, todo o léxico o confirma, nomeadamente
palavras como “bailando”, “passos” de baile, “cantava”; é o espaço onde a noite
e a claridade encenam uma festa de luz e de movimento, de silêncios e de canto,
onde a plenitude “naquele pedaço de mar ao longe” se alcança, onde “ardia / O
chamamento infinito dos espaços.”. Deste modo, esta evocação confere ao passado
a dimensão de um tempo eufórico para o “eu”, justificando-se, por isso, a utilização
de vocabulário com valor semântico positivo.
quinta-feira, 3 de março de 2016
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
O Encoberto
O Encoberto
A terceira e última parte da
Mensagem situa-se já posteriormente ao desastre de Alcácer Quibir (1578), que
é, segundo Pessoa, o primeiro entre os três grandes fatores da decadência de
Portugal; os outros dois são a desnacionalização com a implantação de um
sistema monárquico estrangeirado (1820) e a mesma desnacionalização, que Pessoa
considera degenerescência, com a implantação da República (1910). É, por isso,
muito significativo, neste contexto, que esta última parte do poema se chame O
Encoberto, porque se trata do encobrimento gradual do próprio Portugal. O poeta
começa por referir os Símbolos do Encoberto, o primeiro dos quais é D.
Sebastião, do qual diz que, apesar de ter caído no areal, ter morrido nessa
desventura, aquilo que importa é que se criou um símbolo, um ideal que era mais
do que o homem, o rapaz que ali ficou jazendo. E, assim, “É O que eu me sonhei
que eterno dura, / É Esse que regressarei.” É esta a primeira metamorfose do D.
Sebastião-homem em D. Sebastião-símbolo. O poeta cruza depois o sebastianismo
com o mito do Quinto Império:
Grecia, Roma, Christandade,
Europa – os quatro se vão Para onde vai toda idade.
E pergunta depois, desafiando o
leitor:
Quem vem viver a verdade Que
morreu D. Sebastião?
Passados os quatro impérios,
espera-se algo que não vá “para onde vai toda a idade”, isto é, algo que seja
fora do tempo, que seja o império que não mais possa ser destruído. […]
Depois de tratar das diversas
metamorfoses e relações do encoberto (os seus símbolos), o poeta passa agora a
outra parte: Os Avisos. Os avisos são lançados por três profetas: o primeiro é
Bandarra, o sapateiro de Trancoso; o segundo, António Vieira; e, finalmente, o
terceiro é um poema a que o poeta apôs discretamente apenas o título Terceiro.
Esse terceiro não identificado é o próprio Pessoa, uma espécie de síntese dos
outros dois profetas do Quinto Império.
É curioso que neste poema não
haja uma profecia, mas antes a expressão de uma angústia e de um desejo. É um
poema feito quase só de interrogações, em que o poeta se dirige diretamente ao
Messias: “quando quererás voltar?”, “Quando é o Rei? Quando é a Hora?”. É como
se, perante a situação dramática de Portugal, o próprio poeta procurasse
interpelar o Messias, recriando a ambiência que suscitasse o seu regresso.
Passados os avisos proféticos, o poeta descreve Os Tempos, isto é, os cinco
tempos, ciclos ou momentos desde o encobrimento de D. Sebastião ou de Portugal.
Assim, começam os tempos com Noite, a noite que é a escuridão resultante desse
mesmo encobrimento. Segue-se a Tormenta e, depois, a Calma. E começa o novo
ciclo em Antemanhã, que não é uma aurora esplendorosa, mas com Nevoeiro, o
último tempo. Pessoa tinha a consciência nítida do estado em que se encontrava
Portugal, quando comparada essa triste realidade que era com aquela que ele
antevia e sonhava. Este poema com que fecha a Mensagem deixa bem patente, e em
simultâneo, a sua consciência aguda do presente e a esperança num despertar da
alma portuguesa. Este despertar só podia acontecer com o nevoeiro porque é no
meio dele que a lenda diz que virá o Rei. O poeta descreve aí a ambiência que
se vive hoje em Portugal (“Portugal a entristecer – / Brilho sem luz e sem
arder”), em que “Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem, /
Nem o que é mal nem o que é bem.”; é este clima em que “Tudo é incerto e
derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro.” que o leva a dizer: “Ó
Portugal, hoje és nevoeiro…” Chegado o nevoeiro, confirmada a lenda, “É a
Hora!”, assim termina o poema, respondendo à pergunta lançada atrás, no poema
titulado Terceiro.
SINDE, Pedro, “Prólogo” in PESSOA, Fernando, 2010. Mensagem.
Porto: Porto Edito
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
O Infante
O Infante
O poema abre com uma frase lapidar
(processo ao gosto de Pessoa e muito utilizado em Mensagem): “Deus quer, o
homem sonha, a obra nasce” (v. 1). É nela que se encerram as linhas dominantes
de todo o texto. Essa frase é constituída por três segmentos: Deus quer / o
homem sonha / a obra nasce – cada um dos quais se encontra organizado em torno
de formas verbais no presente do indicativo (quer, sonha, nasce), exprimindo
realidade, atualidade, valor de lei. Esboça-se um princípio basilar (notar, no
v. 1, o ritmo e a presença do assíndeto, e em geral, no poema, a organização
estrutural em quadras isomórficas e isométricas, de esquema rimático a b a b –
para exprimir certeza, inflexibilidade, determinação superior) segundo o qual é
a vontade de Deus que leva os humanos a pôr de pé uma obra. Notar ainda a
presença da gradação, no verso 1, para exprimir a lógica da relação Deus /
homem / obra. As formas verbais escolhidas assentam em verbos expressivos, cujo
sentido, para ser precisado com suficiente rigor, necessita de ser esclarecido.
É com a finalidade de ilustrar a frase lapidar do v. 1, que surgem os restantes
11 versos do poema, que iremos considerar em função do alcance de cada um dos
três segmentos referidos.
1 – Deus quer
Há uma força superior detentora do querer.
É dela que depende a responsabilidade das decisões a tomar. Deus deve (é essa a
lógica instituída) querer para que o homem sonhe e a obra nasça. E Deus quis
(v. 2). Então o homem sonhou (v. 4) e a obra nasceu (vv. 5-8) – notar como as
formas verbais contidas nos versos 2 a 11 se encontram predominantemente no
pretérito perfeito do indicativo (quis, sagrou, foste desvendando, foi,
clareou, viu surgir, sagrou, criou, deu, cumpriu, desfez), exprimindo que o
princípio em causa foi respeitado e se verificou. De facto, nada falhou por
parte do querer divino. Ele era necessário e aconteceu. Estava determinado que
Deus teria de querer para que as realizações humanas se efetivassem – e “Deus
quis”. Deus quis a unificação da terra, que o mar fosse dominado de forma a
servir de elemento de união entre os continentes e os povos, e estes pudessem
estabelecer comunicação. Para isso, Deus sagrou o Infante (“Sagrou-te”, v. 4,
“te sagrou”, v. 9 – repare-se na insistência, para exprimir que a decisão do
Infante de se aventurar no mar tem origem divina e não em qualquer capricho
humano) e, através dele, sagrou o povo português (“criou-te português”, v. 9,
“em ti nos deu sinal”, v. 10), predestinou-o para os grandes feitos das
descobertas. Então, Deus (cujo querer é impreterível) quis que fosse o
Infante/Portugal a dominar os mares e a estabelecer comunicação entre os povos
e os continentes. Mas esse querer “que a terra fosse toda uma” pode ser
entendido num sentido físico e material, mas ainda (e é a lógica do texto que admite
essa dupla interpretação – já que Portugal, tendo materialmente feito tudo,
ainda se não cumpriu…) num sentido espiritual. Comunicar é mais que ocupar uma
posição de contiguidade, implica também uma dimensão cultural e espiritual
profunda.
2 – o homem sonha
O Infante (representando o povo
português – a ligação é confirmada pelo v. 10) partiu para o cumprimento da
missão que lhe estava confiada. Teve de ultrapassar dificuldades, já que o
poeta diz que ele “foi desvendando a espuma” (notar a expressividade do verbo
conjugado perifrasticamente, com o sentido de descobrir, mostrar, revelar…)Os
esforços do Infante foram coroados de êxito – “cumpriu-se o mar” (v. 11);
fisicamente, o mundo tornou-se um. O império português ergueu-se e “se desfez”
(v. 11). A dimensão material dos desígnios divinos foi realizada. Mas… falta
ainda cumprir-se a outra dimensão, a espiritual, que já ultrapassa o Infante e
é devida aos portugueses. O Infante, apesar do halo de sagrado com que Deus o
coroou, era mortal; cumpriu a parte da determinação divina que, na
representação dos portugueses e de Portugal, lhe competia, e passou. Dele
permanece o exemplo e o estímulo que é devido aos mitos. A dimensão espiritual
do império (confiada por Deus ao povo português, tal como a sua dimensão
material, o império real), essa, encontra-se por cumprir.
3 – a obra nasce
A obra referida no poema toma, no seu
desenvolvimento, dois sentidos precisos: por um lado, exprime uma consequência
direta (concreta), por outro lado uma possibilidade (uma generalização). Isto
é: por um lado, Deus quis, o homem (o Infante/Portugal) sonhou, a obra (o
império português) nasceu; por outro lado, pretende-se dizer que sempre que se
conjugam tais aspetos, sempre que Deus quer e o homem sonha, então a obra – o
outro império, de dimensão cultural e espiritual – nascerá. A obra nascida é
apresentada no texto com característica de sonho – em consonância com o verbo
usado no v. 1 – “o homem sonha”. O império construído, a unificação dos
continentes, tomou alicerces no mar (na orla branca); no mar, atingiu-se uma
ilha, dessa ilha um continente; da escuridão se fez luz (clareou); da
ignorância se passou ao conhecimento, a civilização ocidental encontrou-se com
a oriental. E assim se atingiu, correndo, “o fim do mundo”, assim se eliminaram
as barreiras e os limites. E deste modo, do mar (do azul profundo), de repente,
irrompeu a unificação dos continentes. Repare-se, além do referido cariz
onírico da expressão, no tom gradativo e simbólico, no ritmo cadenciado, na
musicalidade assente em sons variados (exprimindo jovialidade e até uma certa
impaciência). Nasceu a obra, a terra unificou, o mar passou a unir em vez de
separar, o império se cumpriu e se desfez…
Dependia de Deus querer, e foi desejado
por Ele que o homem (o Infante, os portugueses, Portugal) sonhasse. Esse sonho
aconteceu, e desse sonho surgiu a unificação dos mares e a criação do império
(um sonho ao mesmo tempo nacionalista e universal). Mas esse império fez-se e
se desfez, ergueu-se e desmoronou-se; império material, constituído por valores
terrenos. Ora… há algo mais ambicioso que importa considerar. Portugal foi
incumbido de fazer com que “a terra fosse toda uma” (v. 2), e essa unificação
tem também uma dimensão espiritual que ainda se não cumpriu. É preciso que se
cumpra Portugal. Portugal deverá liderar um novo império, mas não já de índole
material, como o que se ergueu e se desfez. O que falhou em todo o processo?
Deus quis, o homem sonhou, a obra nasceu. Uma obra efémera, perecível, como
tudo o que é material e humano. Em Deus não está a culpa, já que sagrou o
Infante e o destinou (a ele e a quantos ele representava) a feitos muito acima
da sua condição material. Ele e o povo por si representado foram incumbidos da
missão de dominar e unificar o mar. A nível do temporal, o homem cumpriu o que
lhe competia, no sentido das forças de que havia sido investido. A obra
levantada foi a do cumprimento do mar… e do império. Mas isso já é história,
porque o império se desfez. Como ser humano é possuir limitações, não houve
continuidade para esse império. Por isso o poeta implora com tanto fervor:
“Senhor, falta cumprir-se Portugal!” (v. 12 – notar o regresso ao presente do
indicativo, para exprimir urgência). Que o ânimo deste povo recupere para que
os esforços do Infante tenham continuidade e para que Portugal se assuma na
direção para que foi predestinado…
Trata-se já de um outro império, não de
um império material como o que se formou e se desfez. É uma outra predestinação
para Portugal. A que se quererá referir o poeta, no derradeiro verso do poema?
A uma qualquer utopia? A um império linguístico-cultural liderado pela língua
portuguesa ou pelo espírito criativo e de missão de que os portugueses têm dado
provas, desde o princípio da sua história?
Seja o que for que espera Portugal,
tratar-se-á de uma predestinação divina (“Deus quer” – v. 1), cujo desempenho
foi confiado ao Infante/povo português, mas apenas foi cumprido na sua dimensão
temporal/material (notar as maiúsculas em Mar e Império). É preciso que Portugal
se cumpra integralmente, que complete com a dimensão espiritual a materialidade
do império que formou. Também para isso – que ainda falta – ele foi
predestinado por Deus.
SILVA, Lino Moreira da, 1989. Do Texto à Leitura (Metodologia da Abordagem Textual) Com a
Aplicação à Obra de Fernando Pessoa. Porto: Porto Editor
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 20 de janeiro de 2016
As reflexões do poeta n’Os Lusíadas – o declínio do Império
As reflexões do poeta
n’Os Lusíadas – o declínio do Império
Para além dos planos narrativos que constituem
a epopeia, encontramos um outro plano que diz respeito às reflexões do poeta a
propósito de diferentes assuntos que têm lugar ao longo da narração. Estas
reflexões constituem a visão do poeta renascentista em relação à própria
condição humana, o que serve, por vezes, a construção do herói do poema, que
supera todas as provações e será premiado pelo seu esforço e valentia, na Ilha
dos Amores, espaço simbólico de recompensa pela conclusão de um percurso
glorioso. O poeta revela também a sua perspetiva em relação a uma fase do
Império Português e aos valores dominantes no país, num momento em que o brilho
das grandes navegações começava a ser ofuscado pelo materialismo que grassava
no reino, pela indiferença pela arte e pela cultura; o poeta manifesta ainda o
seu desalento pelo desprezo a que a sua epopeia era votada. Vejamos, então, os
aspetos que dominam a atenção do autor da epopeia nacional e merecem a sua
intervenção, numa expressão da sua mundividência ao longo dos dez cantos que
integram o poema épico camoniano.
No final do Canto I (est. 105-106), o
poeta apresenta as suas reflexões sobre a insegurança da vida, na sequência de
uma síntese da situação narrativa (quatro primeiros versos da est. 105)
centrada na traição de que os portugueses foram vítimas (Baco preparara-lhes
várias ciladas, entre elas, um piloto que conduziria os portugueses ao porto de
Quíloa, onde eram esperados por inimigos; Vénus afastou a armada do perigo e os
portugueses retomaram o seu caminho até Mombaça). As reflexões do poeta sobre a
fragilidade da vida, sobre a tragicidade que se encontra subjacente à própria
condição humana evidenciam o carácter humanista da epopeia e servem a
arquitetura semântica da obra.
No Canto V (est. 92-100), o poeta
censura os portugueses que desprezam a poesia, tecendo uma crítica acerba à
falta de estima que os líderes políticos portugueses revelam em relação à
criação literária, ao contrário da atitude que mantinham os grandes chefes
militares e políticos da Antiguidade, que protegiam os poetas ou eram eles
próprios cultores das letras (estes sabiam que só através da escrita se
tornariam imortais); o poeta afirma ainda que é por falta de cultura que a
elite portuguesa despreza a criação artística: “quem não sabe arte, não na
estima”. De facto, é o povo português que merece inúmeras críticas do poeta. O
sentido crítico do escritor e a sua capacidade de análise não lhe permitem
omitir a perceção da situação nacional, que começava a dar sinais de
decadência: os portugueses do século XVI pareciam ter esquecido o valor da arte
e da cultura enquanto manifestações da espiritualidade humana. O poeta critica,
assim, a indiferença dos políticos que governavam o país face à poesia.
Define-se aqui o carácter pedagógico da epopeia renascentista, através do apelo
que o poeta realiza, ao convidar os portugueses a seguir aqueles que devem
funcionar como modelos, pela forma como souberam conciliar o ofício guerreiro e
as letras.
No Canto VI (est. 95-99), as
considerações do poeta incidem sobre o valor da Fama e da Glória num mundo que
se deixa vencer pelos valores de ordem material e no qual se descura o mérito e
se renuncia à capacidade de realizar ações com o objetivo de engrandecer o
reino. Assim, mais uma vez, em tom didático, o poeta afirma que os portugueses
não deverão deixar-se dominar pela ociosidade e pela inação, defendendo o
esforço, o sofrimento e o desprezo pelo dinheiro como forma de alcançar
recompensas futuras.
No Canto VII, o poeta invoca as
ninfas do Tejo e do Mondego, fazendo uma interseção entre esta evocação e
alusões a aspetos de carácter autobiográfico, e lamentando a sua sorte, pois “A
fortuna [o] traz peregrinando, / Novos trabalhos vendo e novos danos” (est. 79,
vv. 3-4); Depois, numa linha de contestação do materialismo individualista e da
corrupção que impera no país, a crítica do poeta dirige-se aos opressores e aos
exploradores do povo. O poeta recusa-se a cantar quem privilegiar o seu
interesse pessoal em detrimento do bem comum e de seu rei: os ambiciosos que
querem subir para, nos “grandes cargos”, “Usar mais largamente de seus vícios”
(est. 84, v. 8); os que “Se muda[m] em mais figuras que Proteio” , ou seja, os
que apresentam um comportamento camaleónico, alterando a sua conduta no sentido
de agradar; os que, para manterem uma imagem favorável perante o rei, não
hesitam em roubar o povo; os que são muito diligentes e severos no cumprimento
da lei do rei, mas não se sentem obrigados, em nome da justiça, a pagar “o suor
da servil gente”; finalmente, os que se empenham em “taxar, com mão rapace e
escassa, / Os trabalhos” dos outros. Estas intervenções do poeta, para além de
revelarem a sua ousadia e coragem, retratam, com efeito, um Portugal minado
pelos interesses pessoais, onde o sentimento patriótico aliado ao bem coletivo
e à moral tradicional parecia inexistente. É esta constatação que leva o poeta
a afirmar que cantará apenas aqueles que arriscarem a sua “amada vida” por Deus
e por seu Rei.
No Canto VIII (est. 96-99), o poeta
reflete sobre o poder do ouro e procede à enumeração de atos de corrupção que
percorrem todos os estratos socais, em particular as elites: assim, o dinheiro
“rende munidas fortalezas”, motiva a traição e a falsidade aos amigos, corrompe
“a mais nobres” e “virginais purezas”, origina a depravação das ciências,
cegando a razão e “as consciências”; o poder do ouro leva ainda a uma
interpretação dos textos à qual está subjacente o desrespeito pelo sentido das
ideias que estes apresentam, altera leis, causa perjúrios, torna os reis
tiranos e corrompe os sacerdotes, que só a Deus deveriam servir.
O Canto IX (est. 92-95) apresenta uma
exortação a quantos desejarem alcançar a fama. Neste canto, o poeta dá
conselhos àqueles que aspiram a alcançar a condição de herói: devem, assim,
abandonar o estado de ócio e de indolência, refrear a cobiça, a ambição e o
“torpe e escuro / Vício da tirania”, fazer leis equitativas na paz, que não
deem “aos grandes” o que é dos “pequenos”, fazer guerra contra os “imigos
Sarracenos”; só esta conduta fará “os Reinos grandes e possantes” (est. 94, v.
5), conduzirá ao usufruto de “riquezas merecidas, / Com as honras que ilustram
tanto as vidas” (est. 94, vv. 78) e contribuirá para fazer o rei ilustre, seja através
de conselhos ponderados, seja através da guerra; só esta atitude permitirá,
enfim, que os portugueses se tornem imortais, como se verificou em relação aos
seus antepassados. A inação e a corrupção surgem como as principais causas de
estagnação do país e constituem a grande inibição para que o Homem alcance um
estatuto de herói, o que só acontece se este deixar aflorar o que em si o
distingue dos outros animais e que se manifesta através da vontade (“quem quis,
sempre pôde” – est. 95, v. 6), numa revelação da sua dimensão espiritual. À
condição de herói associa-se a recompensa: “Sereis entre os Heróis esclarecidos
/ E nesta Ilha de Vénus recebidos” (est. 95, vv. 7-8).
No Canto X, os portugueses
despedem-se das ninfas e embarcam para regressar a Portugal. A despedida de
Thetys, que mostrara a Vasco da Gama a Máquina do Mundo (um globo transparente
de acordo com a conceção geocêntrica de Ptolomeu, ainda vigente na época), e
que refere que os nautas lusos ”Levam a companhia […] / Das Ninfas” (est. 143, vv.
6-7), remete simbolicamente, pela alusão ao Sol, para a dimensão criadora que
caracteriza o ser humano, sempre que nele ecoa a pulsão que o impede de
permanecer inativo: “Levam a companhia desejada / Das Ninfas, que hão de ter
eternamente, / Por mais tempo que o Sol o Mundo aquente.” (est. 143, vv. 6-8).
Ainda no Canto X, o poeta traduz o seu desencanto face à situação de decadência
que caracteriza a sua pátria, constatando a oposição entre o estado do reino e
aquilo que é o assunto da sua epopeia: o canto dos feitos gloriosos dos Portugueses.
O poeta despede-se de Calíope, a musa inspiradora que evocara nas estrofes 8 e
9, para que esta o ajudasse a concluir o seu poema, e afirma que está fatigado
(“No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida”
– est. 145, vv. 1-2) não de cantar os portugueses, mas pelo facto de estes não
o escutarem (“E não do canto, mas de ver que venho / Cantar a gente surda e
endurecida” – est. 145, vv. 3-4), porque “a pátria […] está metida / No gosto
da cobiça e na rudeza / Dhu˜ a austera, apagada e vil tristeza” (est. 145, vv.
6-8). Na estrofe 146, porém, o poeta muda de tom e, depois de constatar o
pessimismo e a falta de autoestima que ensombram a nação, dirige-se ao rei
[“Por isso vós, ó Rei, […] / Olhai que sois (e vede as outras gentes) / Senhor
só de vassalos excelentes”] e exorta D. Sebastião, a quem dedicara o seu poema,
a ouvir apenas os conselhos dos “experimentados”, a proteger e a estimar
aqueles que tornam o seu “Império preeminente” (est. 151, v. 4).
Na realidade, não podendo adivinhar o
destino trágico de D. Sebastião (ainda que, no final do poema, possamos
perceber a expressão da inquietação do poeta motivada pela pouca idade e
inexperiência do rei), que viria a desaparecer na batalha de Alcácer Quibir, no
dia 4 de agosto de 1578, dia em que a nata da aristocracia portuguesa morreu
igualmente no campo de batalha, o que daria origem à perda da independência de
Portugal e ao nascimento do mito sebastianista, Camões parece ver (ou deseja
ver) no rei o elemento possível de regeneração do país. O poeta termina a sua
obra, depois de incitar o rei à cruzada, oferecendo-se para o servir na guerra
e para cantar os feitos do seu povo, “De sorte que Alexandro [no rei] se veja /
Sem à dita de Aquiles ter enveja”.
JACINTO, Conceição, e LANÇA,
Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem,
Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora
A Ilha dos Amores e a mitificação do herói n’Os Lusíadas
A Ilha dos Amores e a mitificação do herói n’Os Lusíadas
Mas é na Ilha dos Amores que assistimos à realização daquilo que constitui a essência da epopeia: o poeta torna imortais os feitos do herói nacional, elevando os nautas, que, metonimicamente, representam o povo português, à condição de deuses, pois Vénus “Os Deuses faz descer ao vil terreno / E os humanos subir ao Céu sereno”.
Os marinheiros unem-se às deusas amorosas que os recompensam após o seu percurso iniciático, após a superação de todas as provações, num espaço onde encontram o amor, onde as deusas “As mãos alvas lhe davam como esposas” e onde “Divinos os fizeram, sendo humanos”, pois esta ilha “Outra cousa não é que as deleitosas / Honras que a vida fazem sublimada”. E, seguindo a linha de pensamento de acordo com a qual concretiza o carácter épico da sua obra, o poeta deixa um convite à continuidade da ação dos portugueses, apontando-lhes o merecido prémio.
O mito da Ilha dos Amores surge, assim, como algo que, de facto, não existe, mas que funciona, ao nível do inconsciente coletivo, como a realização dos desejos humanos associados ao ideal de uma recompensa merecida, pois o mérito é real.
Finalmente, no Canto X, a ascensão dos heróis humanos na escala existencial é consumada, quando Thetys mostra a Vasco da Gama a máquina do mundo, constituída por onze esferas; no centro, encontrava-se a Terra, de acordo com a teoria de Ptolomeu, e os quatro elementos.
Vasco da Gama tem, então, acesso a uma visão do mundo para a qual contribuem as próprias descobertas realizadas pelos portugueses:
“Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo […]”
Ou seja, a divinização do herói nacional, tão temida por Baco, encontra a sua expressão plena no momento em que o nauta tem acesso ao segredo do Universo, ao conhecimento vedado ao mortal comum.
Os Lusíadas apresentam, assim, um homem que “é a medida de todas as coisas”, como defendia Protágoras, numa aceção humanista que se prende com uma determinada visão do mundo: o antropocentrismo, que substitui o teocentrismo medieval e, consequentemente, valoriza a razão em detrimento do dogma. É a apologia da experiência e do saber, e a crença nas capacidades ilimitadas do Homem que, em perfeita consonância com o espírito renascentista, encontramos na epopeia camoniana. A origem da matéria épica é real e enraíza na História de Portugal, construída pelo povo luso, o herói do Poema.
Não esqueçamos, porém, que são reincidentes, na epopeia, as alusões a um império que começa a desmoronar-se e a um Portugal ocioso e esquecido do seu passado glorioso.
JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
Velho do Restelo
O episódio do Velho do Restelo n’Os Lusíadas
Este episódio é, sem dúvida, o
mais controverso do Poema. Quem é este Velho, que voz é a sua, de quem é a voz
que por ele fala?
É fora de dúvida que ele
representa a voz do bom senso. Nas suas palavras se reflete toda uma corrente
de opinião contrária à prossecução da viagem para a Índia, considerada como
envolvendo demasiados riscos. Politicamente, o Velho está do lado de quantos se
opunham à nossa expansão para Oriente e propunham que essa expansão se fizesse
em África. Essas correntes de opinião tiveram, de resto, existência histórica e
corresponderam aos interesses opostos da velha nobreza e da burguesia
ascendente. Consoante o peso político das duas classes, assim se iam
conquistando praças no Norte de África ou descobrindo novas terras, procurando
alcançar a Índia, produtora de riquezas.
Aparentemente, porque não condena
as palavras do Velho, porque insiste por diversas vezes em que se trata de um
velho digno de respeito e dotado de autoridade, Camões identificar-se-ia com as
suas palavras, condenando, assim, de certo modo, a viagem de Vasco da Gama.
Tal geraria uma contradição
dificilmente explicável, num Poema destinado a glorificar aquilo que, no
conjunto da História de Portugal, constituía a maior glória: justamente a
viagem de Vasco da Gama, escolhida para ação central do Poema. […]
O episódio polarizaria, pois, uma
espécie de antítese à tese que o poema parece querer constituir: a de que, no
mar, o homem encontra a ocasião das ocasiões para ultrapassar as suas naturais
fraquezas e limitação.
Ora, independentemente de saber
qual a posição de Camões face ao rumo que deveria ser ou ter sido o da nossa
expansão, parece-me que a solução desta contradição aparente está no próprio
Poema: os navegadores, em nome da lealdade ao rei e à pátria, não se deixam demover
e partem, apesar de tudo. Herói é aquele que é movido por um impulso de
grandeza tal que não escuta a voz do bom senso e da razão patriótica. Herói é
aquele que, consciente embora do aspeto irracional de um empreendimento, para
ele avança, cheio de força interior, bastante para vencer todos os obstáculos
que se lhe deparem. Porque, dirá mais tarde Camões, em contraponto às palavras
do Velho do Restelo, a imortalidade conquista-se
“Pelo trabalho imenso que se
chama
Caminho da virtude, alto e Fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso” (IX,
90)
O progresso do homem faz-se na
luta, muitas vezes ilógica, absurda, contra os obstáculos que lhe move o “Céu
sereno”.
Segundo Óscar Lopes, a fala do
Velho do Restelo: “formula, não a antítese ao tema central da epopeia, mas a
tese a que a epopeia se contrapõe”.
Isto é, a viagem do Gama
demonstrará que, apesar do Velho, Vasco da Gama chegará à Índia – novo Ícaro ou
novo Prometeu, conquistando, com imenso esforço, outro elemento – a água – que
não o que lhe é e nos é próprio: a Terra. A sua viagem insensata será, não um
recuo, uma queda, mas um passo em frente na conquista de um ideal de Homem
superior à sua fraqueza, à contingência de “bicho da terra”.
PAIS, Amélia Pinto, in CAMÕES, Luís
de, 1999. Os Lusíadas (Organização, introdução e notas de Amélia Pinto Pais).
Porto: Areal (3.ª ed.
No episódio do Velho do Restelo,
assistimos ao discurso de um velho que se encontra na praia “entre a gente” e
que, elevando o tom de voz, manifesta a sua oposição em relação à realização da
viagem à Índia por mar.
O episódio do Velho do Restelo
surge assim como a expressão de uma voz discordante em relação à política de
expansão edificando-se o seu discurso no valor da experiência. O Velho
simboliza uma parte dos portugueses que se opunha à empresa da Índia preferindo
realizar a guerra santa no Norte de África.
Neste episódio, à tese e
argumentação do Velho encontra-se subjacente uma visão da viagem à Índia por
mar segundo a qual a sede de poder e de fama daqueles que governam constitui a
motivação real da viagem da armada de Vasco da Gama, ainda que essa motivação
surja aliada a uma ideologia cujo valor fundamental é a “honra”. Assim, a viagem
à Índia, cujas consequências são imprevisíveis, constitui, para o Velho que se
encontra na praia, mais uma ação desastrosa em que o povo é arrastado para
“perigos” e “mortes”, porque é enganado com promessas de riqueza e de glória, o
que motiva a sua indignação. A argumentação do Velho evoca ainda o facto de a
partida dos homens, que implicava o abandono do reino aos velhos, às mulheres e
às crianças, constituir igualmente uma forma de fragilizar o país face ao
inimigo.
Com efeito, estava em causa a resistência
a uma nova conceção de vida da nação, o povo, ligado à terra, à agricultura,
tornava-se aventureiro na conquista de um outro espaço – o mar –, contribuindo
para a renovação do reino.
As palavras do Velho do Restelo
não representam apenas o medo perante o desconhecido ou a defesa de uma
ataraxia que se opõe a uma perspetiva de interpretação épica daquele momento da
História nacional ou o apelo sensato da experiência face à ânsia de aventura,
trata-se, efetivamente, de um discurso no qual se condena a política da empresa
à Índia, subversão da visão e da versão oficial dos Descobrimentos.
Uma leitura atenta permite-nos,
contudo, perceber que este velho criado por Camões não critica apenas aqueles
que partem. A sua voz estende-se à ação do Homem enquanto espécie, pelo facto
de este não se contentar com os limites impostos pela sua própria condição,
revelando-se dominado pela “Dura inquietação d’alma e da vida” (est. 96, v. 1).
Essa inquietação é simbolizada por três figuras mitológicas: Prometeu que roubou
o fogo aos deuses para o entregar aos Homens, ato que lhe custou um castigo
eterno – foi colocado no cimo de um monte, onde uma águia lhe comia o fígado,
que se renovava em seguida – Faetonte, filho do Sol, que ao conduzir o carro de
seu pai foi vítima da sua inexperiência e deslumbramento o que o levou a
aproximar-se demasiado da Terra, que quase incendiou, e que penetrou os
domínios dos astros, motivando a queixa destes e a determinação do Sol de matar
o filho, como forma de o controlar; e por Ícaro que, depois de colocar asas
construídas por seu pai, Dédalo, e de as colar com cera, para fugir do
labirinto onde se encontravam presos, se deixou inebriar pela sensação do voo e
se aproximou demasiado do Sol, o que provocou a sua queda e morte, pois a cera derreteu.
O Velho constata, assim, que o Homem (cujas ações são simbolicamente associadas
às figuras mitológicas mencionadas) deseja sempre alcançar aquilo que, apesar
de causar sofrimento, lhe proporciona a recompensa da conquista. Na realidade,
ainda aqui ecoa o som da voz do poeta ao constatar a fragilidade de “um bicho
da terra tão pequeno”, que superará a sua condição ainda que, para tal, tenha
que derramar lágrimas de dor ou o espere a punição. É esta atitude que
caracteriza a condição humana indissociável do desafio, da prevaricação que
conduz ao conhecimento e cujo primeiro testemunho é dado por Adão e Eva, no
momento em que desobedecem a Deus, porque provam a maçã proibida; essa é a
negação que o velho realiza em relação à essência da condição humana.
JACINTO, Conceição, e LANÇA,
Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem,
Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora
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