VISÃO
CRÍTICA do Memorial do Convento
Tendo como pretexto a construção
do convento de Mafra, Saramago, adoptando a perspectiva de um narrador
distanciado do tempo da diegese, apresenta uma visão crítica da sociedade
portuguesa da primeira metade do século XVIII. É neste sentido que Memorial do Convento transpõe a classificação de romance histórico, uma vez que não
se trata de uma mera reconstituição de um acontecimento histórico, mas é antes
um testemunho intemporal e universal do sofrimento de um povo sujeito à
tirania de uma sociedade em que só a
vontade de el-rei prevalecem o resto é nada (XXII).
Logo desde o início do romance é
visível o tom irónico e, até mesmo, sarcástico do narrador relativamente à
hipotética esterilidade da rainha e à infidelidades do rei. Esta atitude
irónica do narrador mantém-se ao longo da obra, denunciando o comportamento
leviano do rei, a sua vaidade desmedida e as promessas megalómanas de que
resulta o sofrimento extreo de homens que
não fizeram filho nenhum à rainha e eles é que pagam o voto, que se lixam
(XIX).
O clero, que exerce o seu poder sobre o povo ignorante através da
instauração de um regime repressivo entre os seus seguidores e que
constantemente quebra o voto de castidade, também não escapa ao olhar crítico e
sarcástico do narrador. A actuação da Inquisição que, à luz da fé cristã,
manipula os mais fracos é de igual modo criticada ao longo do romance,
nomeadamente, através da apresentação de diversos autos-de-fé e uma crítica às
pessoas que dançam em volta das fogueiras onde se queimaram os condenados.
Assim, são sobretudo as personagens de estatuto social privilegiado
o alvo da crítica do narrador
que denuncia as injustiças sociais, a omnipotência dos poderosos e a exploração
do povo – evidenciada nas miseráveis condições de trabalho dos operários do convento
de Mafra; ao mesmo tempo que denota empatia
face aos mais desfavorecidos, cujo esforço elogia e enaltece.
A crítica estende-se, ainda: à Justiça
portuguesa que castiga os pobres e despenaliza os ricos, ao facto de se
preterir os artífices e os produtos nacionais em defesa dos estrangeiros, bem como ao adultério e À corrupção
generalizados.
Em suma, Memorial do Convento constitui acima de tudo uma reflexão crítica – ao problematizar
temas perfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor – conducente a
uma releitura do passado e à
correcção da visão que se tem da História.
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