O Encoberto
A terceira e última parte da
Mensagem situa-se já posteriormente ao desastre de Alcácer Quibir (1578), que
é, segundo Pessoa, o primeiro entre os três grandes fatores da decadência de
Portugal; os outros dois são a desnacionalização com a implantação de um
sistema monárquico estrangeirado (1820) e a mesma desnacionalização, que Pessoa
considera degenerescência, com a implantação da República (1910). É, por isso,
muito significativo, neste contexto, que esta última parte do poema se chame O
Encoberto, porque se trata do encobrimento gradual do próprio Portugal. O poeta
começa por referir os Símbolos do Encoberto, o primeiro dos quais é D.
Sebastião, do qual diz que, apesar de ter caído no areal, ter morrido nessa
desventura, aquilo que importa é que se criou um símbolo, um ideal que era mais
do que o homem, o rapaz que ali ficou jazendo. E, assim, “É O que eu me sonhei
que eterno dura, / É Esse que regressarei.” É esta a primeira metamorfose do D.
Sebastião-homem em D. Sebastião-símbolo. O poeta cruza depois o sebastianismo
com o mito do Quinto Império:
Grecia, Roma, Christandade,
Europa – os quatro se vão Para onde vai toda idade.
E pergunta depois, desafiando o
leitor:
Quem vem viver a verdade Que
morreu D. Sebastião?
Passados os quatro impérios,
espera-se algo que não vá “para onde vai toda a idade”, isto é, algo que seja
fora do tempo, que seja o império que não mais possa ser destruído. […]
Depois de tratar das diversas
metamorfoses e relações do encoberto (os seus símbolos), o poeta passa agora a
outra parte: Os Avisos. Os avisos são lançados por três profetas: o primeiro é
Bandarra, o sapateiro de Trancoso; o segundo, António Vieira; e, finalmente, o
terceiro é um poema a que o poeta apôs discretamente apenas o título Terceiro.
Esse terceiro não identificado é o próprio Pessoa, uma espécie de síntese dos
outros dois profetas do Quinto Império.
É curioso que neste poema não
haja uma profecia, mas antes a expressão de uma angústia e de um desejo. É um
poema feito quase só de interrogações, em que o poeta se dirige diretamente ao
Messias: “quando quererás voltar?”, “Quando é o Rei? Quando é a Hora?”. É como
se, perante a situação dramática de Portugal, o próprio poeta procurasse
interpelar o Messias, recriando a ambiência que suscitasse o seu regresso.
Passados os avisos proféticos, o poeta descreve Os Tempos, isto é, os cinco
tempos, ciclos ou momentos desde o encobrimento de D. Sebastião ou de Portugal.
Assim, começam os tempos com Noite, a noite que é a escuridão resultante desse
mesmo encobrimento. Segue-se a Tormenta e, depois, a Calma. E começa o novo
ciclo em Antemanhã, que não é uma aurora esplendorosa, mas com Nevoeiro, o
último tempo. Pessoa tinha a consciência nítida do estado em que se encontrava
Portugal, quando comparada essa triste realidade que era com aquela que ele
antevia e sonhava. Este poema com que fecha a Mensagem deixa bem patente, e em
simultâneo, a sua consciência aguda do presente e a esperança num despertar da
alma portuguesa. Este despertar só podia acontecer com o nevoeiro porque é no
meio dele que a lenda diz que virá o Rei. O poeta descreve aí a ambiência que
se vive hoje em Portugal (“Portugal a entristecer – / Brilho sem luz e sem
arder”), em que “Ninguém sabe que coisa quer. / Ninguém conhece que alma tem, /
Nem o que é mal nem o que é bem.”; é este clima em que “Tudo é incerto e
derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro.” que o leva a dizer: “Ó
Portugal, hoje és nevoeiro…” Chegado o nevoeiro, confirmada a lenda, “É a
Hora!”, assim termina o poema, respondendo à pergunta lançada atrás, no poema
titulado Terceiro.
SINDE, Pedro, “Prólogo” in PESSOA, Fernando, 2010. Mensagem.
Porto: Porto Edito
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