quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

As reflexões do poeta n’Os Lusíadas – o declínio do Império


As reflexões do poeta n’Os Lusíadas – o declínio do Império

Para além dos planos narrativos que constituem a epopeia, encontramos um outro plano que diz respeito às reflexões do poeta a propósito de diferentes assuntos que têm lugar ao longo da narração. Estas reflexões constituem a visão do poeta renascentista em relação à própria condição humana, o que serve, por vezes, a construção do herói do poema, que supera todas as provações e será premiado pelo seu esforço e valentia, na Ilha dos Amores, espaço simbólico de recompensa pela conclusão de um percurso glorioso. O poeta revela também a sua perspetiva em relação a uma fase do Império Português e aos valores dominantes no país, num momento em que o brilho das grandes navegações começava a ser ofuscado pelo materialismo que grassava no reino, pela indiferença pela arte e pela cultura; o poeta manifesta ainda o seu desalento pelo desprezo a que a sua epopeia era votada. Vejamos, então, os aspetos que dominam a atenção do autor da epopeia nacional e merecem a sua intervenção, numa expressão da sua mundividência ao longo dos dez cantos que integram o poema épico camoniano.

No final do Canto I (est. 105-106), o poeta apresenta as suas reflexões sobre a insegurança da vida, na sequência de uma síntese da situação narrativa (quatro primeiros versos da est. 105) centrada na traição de que os portugueses foram vítimas (Baco preparara-lhes várias ciladas, entre elas, um piloto que conduziria os portugueses ao porto de Quíloa, onde eram esperados por inimigos; Vénus afastou a armada do perigo e os portugueses retomaram o seu caminho até Mombaça). As reflexões do poeta sobre a fragilidade da vida, sobre a tragicidade que se encontra subjacente à própria condição humana evidenciam o carácter humanista da epopeia e servem a arquitetura semântica da obra.

No Canto V (est. 92-100), o poeta censura os portugueses que desprezam a poesia, tecendo uma crítica acerba à falta de estima que os líderes políticos portugueses revelam em relação à criação literária, ao contrário da atitude que mantinham os grandes chefes militares e políticos da Antiguidade, que protegiam os poetas ou eram eles próprios cultores das letras (estes sabiam que só através da escrita se tornariam imortais); o poeta afirma ainda que é por falta de cultura que a elite portuguesa despreza a criação artística: “quem não sabe arte, não na estima”. De facto, é o povo português que merece inúmeras críticas do poeta. O sentido crítico do escritor e a sua capacidade de análise não lhe permitem omitir a perceção da situação nacional, que começava a dar sinais de decadência: os portugueses do século XVI pareciam ter esquecido o valor da arte e da cultura enquanto manifestações da espiritualidade humana. O poeta critica, assim, a indiferença dos políticos que governavam o país face à poesia. Define-se aqui o carácter pedagógico da epopeia renascentista, através do apelo que o poeta realiza, ao convidar os portugueses a seguir aqueles que devem funcionar como modelos, pela forma como souberam conciliar o ofício guerreiro e as letras.

No Canto VI (est. 95-99), as considerações do poeta incidem sobre o valor da Fama e da Glória num mundo que se deixa vencer pelos valores de ordem material e no qual se descura o mérito e se renuncia à capacidade de realizar ações com o objetivo de engrandecer o reino. Assim, mais uma vez, em tom didático, o poeta afirma que os portugueses não deverão deixar-se dominar pela ociosidade e pela inação, defendendo o esforço, o sofrimento e o desprezo pelo dinheiro como forma de alcançar recompensas futuras.

No Canto VII, o poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego, fazendo uma interseção entre esta evocação e alusões a aspetos de carácter autobiográfico, e lamentando a sua sorte, pois “A fortuna [o] traz peregrinando, / Novos trabalhos vendo e novos danos” (est. 79, vv. 3-4); Depois, numa linha de contestação do materialismo individualista e da corrupção que impera no país, a crítica do poeta dirige-se aos opressores e aos exploradores do povo. O poeta recusa-se a cantar quem privilegiar o seu interesse pessoal em detrimento do bem comum e de seu rei: os ambiciosos que querem subir para, nos “grandes cargos”, “Usar mais largamente de seus vícios” (est. 84, v. 8); os que “Se muda[m] em mais figuras que Proteio” , ou seja, os que apresentam um comportamento camaleónico, alterando a sua conduta no sentido de agradar; os que, para manterem uma imagem favorável perante o rei, não hesitam em roubar o povo; os que são muito diligentes e severos no cumprimento da lei do rei, mas não se sentem obrigados, em nome da justiça, a pagar “o suor da servil gente”; finalmente, os que se empenham em “taxar, com mão rapace e escassa, / Os trabalhos” dos outros. Estas intervenções do poeta, para além de revelarem a sua ousadia e coragem, retratam, com efeito, um Portugal minado pelos interesses pessoais, onde o sentimento patriótico aliado ao bem coletivo e à moral tradicional parecia inexistente. É esta constatação que leva o poeta a afirmar que cantará apenas aqueles que arriscarem a sua “amada vida” por Deus e por seu Rei.

No Canto VIII (est. 96-99), o poeta reflete sobre o poder do ouro e procede à enumeração de atos de corrupção que percorrem todos os estratos socais, em particular as elites: assim, o dinheiro “rende munidas fortalezas”, motiva a traição e a falsidade aos amigos, corrompe “a mais nobres” e “virginais purezas”, origina a depravação das ciências, cegando a razão e “as consciências”; o poder do ouro leva ainda a uma interpretação dos textos à qual está subjacente o desrespeito pelo sentido das ideias que estes apresentam, altera leis, causa perjúrios, torna os reis tiranos e corrompe os sacerdotes, que só a Deus deveriam servir.

O Canto IX (est. 92-95) apresenta uma exortação a quantos desejarem alcançar a fama. Neste canto, o poeta dá conselhos àqueles que aspiram a alcançar a condição de herói: devem, assim, abandonar o estado de ócio e de indolência, refrear a cobiça, a ambição e o “torpe e escuro / Vício da tirania”, fazer leis equitativas na paz, que não deem “aos grandes” o que é dos “pequenos”, fazer guerra contra os “imigos Sarracenos”; só esta conduta fará “os Reinos grandes e possantes” (est. 94, v. 5), conduzirá ao usufruto de “riquezas merecidas, / Com as honras que ilustram tanto as vidas” (est. 94, vv. 78) e contribuirá para fazer o rei ilustre, seja através de conselhos ponderados, seja através da guerra; só esta atitude permitirá, enfim, que os portugueses se tornem imortais, como se verificou em relação aos seus antepassados. A inação e a corrupção surgem como as principais causas de estagnação do país e constituem a grande inibição para que o Homem alcance um estatuto de herói, o que só acontece se este deixar aflorar o que em si o distingue dos outros animais e que se manifesta através da vontade (“quem quis, sempre pôde” – est. 95, v. 6), numa revelação da sua dimensão espiritual. À condição de herói associa-se a recompensa: “Sereis entre os Heróis esclarecidos / E nesta Ilha de Vénus recebidos” (est. 95, vv. 7-8).

No Canto X, os portugueses despedem-se das ninfas e embarcam para regressar a Portugal. A despedida de Thetys, que mostrara a Vasco da Gama a Máquina do Mundo (um globo transparente de acordo com a conceção geocêntrica de Ptolomeu, ainda vigente na época), e que refere que os nautas lusos ”Levam a companhia […] / Das Ninfas” (est. 143, vv. 6-7), remete simbolicamente, pela alusão ao Sol, para a dimensão criadora que caracteriza o ser humano, sempre que nele ecoa a pulsão que o impede de permanecer inativo: “Levam a companhia desejada / Das Ninfas, que hão de ter eternamente, / Por mais tempo que o Sol o Mundo aquente.” (est. 143, vv. 6-8). Ainda no Canto X, o poeta traduz o seu desencanto face à situação de decadência que caracteriza a sua pátria, constatando a oposição entre o estado do reino e aquilo que é o assunto da sua epopeia: o canto dos feitos gloriosos dos Portugueses. O poeta despede-se de Calíope, a musa inspiradora que evocara nas estrofes 8 e 9, para que esta o ajudasse a concluir o seu poema, e afirma que está fatigado (“No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida” – est. 145, vv. 1-2) não de cantar os portugueses, mas pelo facto de estes não o escutarem (“E não do canto, mas de ver que venho / Cantar a gente surda e endurecida” – est. 145, vv. 3-4), porque “a pátria […] está metida / No gosto da cobiça e na rudeza / Dhu˜ a austera, apagada e vil tristeza” (est. 145, vv. 6-8). Na estrofe 146, porém, o poeta muda de tom e, depois de constatar o pessimismo e a falta de autoestima que ensombram a nação, dirige-se ao rei [“Por isso vós, ó Rei, […] / Olhai que sois (e vede as outras gentes) / Senhor só de vassalos excelentes”] e exorta D. Sebastião, a quem dedicara o seu poema, a ouvir apenas os conselhos dos “experimentados”, a proteger e a estimar aqueles que tornam o seu “Império preeminente” (est. 151, v. 4).

Na realidade, não podendo adivinhar o destino trágico de D. Sebastião (ainda que, no final do poema, possamos perceber a expressão da inquietação do poeta motivada pela pouca idade e inexperiência do rei), que viria a desaparecer na batalha de Alcácer Quibir, no dia 4 de agosto de 1578, dia em que a nata da aristocracia portuguesa morreu igualmente no campo de batalha, o que daria origem à perda da independência de Portugal e ao nascimento do mito sebastianista, Camões parece ver (ou deseja ver) no rei o elemento possível de regeneração do país. O poeta termina a sua obra, depois de incitar o rei à cruzada, oferecendo-se para o servir na guerra e para cantar os feitos do seu povo, “De sorte que Alexandro [no rei] se veja / Sem à dita de Aquiles ter enveja”.

JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora

A Ilha dos Amores e a mitificação do herói n’Os Lusíadas

A Ilha dos Amores e a mitificação do herói n’Os Lusíadas
Mas é na Ilha dos Amores que assistimos à realização daquilo que constitui a essência da epopeia: o poeta torna imortais os feitos do herói nacional, elevando os nautas, que, metonimicamente, representam o povo português, à condição de deuses, pois Vénus “Os Deuses faz descer ao vil terreno / E os humanos subir ao Céu sereno”.
Os marinheiros unem-se às deusas amorosas que os recompensam após o seu percurso iniciático, após a superação de todas as provações, num espaço onde encontram o amor, onde as deusas “As mãos alvas lhe davam como esposas” e onde “Divinos os fizeram, sendo humanos”, pois esta ilha “Outra cousa não é que as deleitosas / Honras que a vida fazem sublimada”. E, seguindo a linha de pensamento de acordo com a qual concretiza o carácter épico da sua obra, o poeta deixa um convite à continuidade da ação dos portugueses, apontando-lhes o merecido prémio.
O mito da Ilha dos Amores surge, assim, como algo que, de facto, não existe, mas que funciona, ao nível do inconsciente coletivo, como a realização dos desejos humanos associados ao ideal de uma recompensa merecida, pois o mérito é real. Finalmente, no Canto X, a ascensão dos heróis humanos na escala existencial é consumada, quando Thetys mostra a Vasco da Gama a máquina do mundo, constituída por onze esferas; no centro, encontrava-se a Terra, de acordo com a teoria de Ptolomeu, e os quatro elementos.
 Vasco da Gama tem, então, acesso a uma visão do mundo para a qual contribuem as próprias descobertas realizadas pelos portugueses:  “Vês aqui a grande máquina do Mundo, Etérea e elemental, que fabricada Assi foi do Saber, alto e profundo […]”
Ou seja, a divinização do herói nacional, tão temida por Baco, encontra a sua expressão plena no momento em que o nauta tem acesso ao segredo do Universo, ao conhecimento vedado ao mortal comum.
Os Lusíadas apresentam, assim, um homem que “é a medida de todas as coisas”, como defendia Protágoras, numa aceção humanista que se prende com uma determinada visão do mundo: o antropocentrismo, que substitui o teocentrismo medieval e, consequentemente, valoriza a razão em detrimento do dogma. É a apologia da experiência e do saber, e a crença nas capacidades ilimitadas do Homem que, em perfeita consonância com o espírito renascentista, encontramos na epopeia camoniana. A origem da matéria épica é real e enraíza na História de Portugal, construída pelo povo luso, o herói do Poema.
Não esqueçamos, porém, que são reincidentes, na epopeia, as alusões a um império que começa a desmoronar-se e a um Portugal ocioso e esquecido do seu passado glorioso.

JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

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Velho do Restelo


O episódio do Velho do Restelo n’Os Lusíadas

Este episódio é, sem dúvida, o mais controverso do Poema. Quem é este Velho, que voz é a sua, de quem é a voz que por ele fala?

É fora de dúvida que ele representa a voz do bom senso. Nas suas palavras se reflete toda uma corrente de opinião contrária à prossecução da viagem para a Índia, considerada como envolvendo demasiados riscos. Politicamente, o Velho está do lado de quantos se opunham à nossa expansão para Oriente e propunham que essa expansão se fizesse em África. Essas correntes de opinião tiveram, de resto, existência histórica e corresponderam aos interesses opostos da velha nobreza e da burguesia ascendente. Consoante o peso político das duas classes, assim se iam conquistando praças no Norte de África ou descobrindo novas terras, procurando alcançar a Índia, produtora de riquezas.

Aparentemente, porque não condena as palavras do Velho, porque insiste por diversas vezes em que se trata de um velho digno de respeito e dotado de autoridade, Camões identificar-se-ia com as suas palavras, condenando, assim, de certo modo, a viagem de Vasco da Gama.

Tal geraria uma contradição dificilmente explicável, num Poema destinado a glorificar aquilo que, no conjunto da História de Portugal, constituía a maior glória: justamente a viagem de Vasco da Gama, escolhida para ação central do Poema. […]

O episódio polarizaria, pois, uma espécie de antítese à tese que o poema parece querer constituir: a de que, no mar, o homem encontra a ocasião das ocasiões para ultrapassar as suas naturais fraquezas e limitação.

Ora, independentemente de saber qual a posição de Camões face ao rumo que deveria ser ou ter sido o da nossa expansão, parece-me que a solução desta contradição aparente está no próprio Poema: os navegadores, em nome da lealdade ao rei e à pátria, não se deixam demover e partem, apesar de tudo. Herói é aquele que é movido por um impulso de grandeza tal que não escuta a voz do bom senso e da razão patriótica. Herói é aquele que, consciente embora do aspeto irracional de um empreendimento, para ele avança, cheio de força interior, bastante para vencer todos os obstáculos que se lhe deparem. Porque, dirá mais tarde Camões, em contraponto às palavras do Velho do Restelo, a imortalidade conquista-se

“Pelo trabalho imenso que se chama

Caminho da virtude, alto e Fragoso,

 Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso” (IX, 90)

O progresso do homem faz-se na luta, muitas vezes ilógica, absurda, contra os obstáculos que lhe move o “Céu sereno”.

Segundo Óscar Lopes, a fala do Velho do Restelo: “formula, não a antítese ao tema central da epopeia, mas a tese a que a epopeia se contrapõe”.

Isto é, a viagem do Gama demonstrará que, apesar do Velho, Vasco da Gama chegará à Índia – novo Ícaro ou novo Prometeu, conquistando, com imenso esforço, outro elemento – a água – que não o que lhe é e nos é próprio: a Terra. A sua viagem insensata será, não um recuo, uma queda, mas um passo em frente na conquista de um ideal de Homem superior à sua fraqueza, à contingência de “bicho da terra”.

PAIS, Amélia Pinto, in CAMÕES, Luís de, 1999. Os Lusíadas (Organização, introdução e notas de Amélia Pinto Pais). Porto: Areal (3.ª ed.

 

No episódio do Velho do Restelo, assistimos ao discurso de um velho que se encontra na praia “entre a gente” e que, elevando o tom de voz, manifesta a sua oposição em relação à realização da viagem à Índia por mar.

O episódio do Velho do Restelo surge assim como a expressão de uma voz discordante em relação à política de expansão edificando-se o seu discurso no valor da experiência. O Velho simboliza uma parte dos portugueses que se opunha à empresa da Índia preferindo realizar a guerra santa no Norte de África.

Neste episódio, à tese e argumentação do Velho encontra-se subjacente uma visão da viagem à Índia por mar segundo a qual a sede de poder e de fama daqueles que governam constitui a motivação real da viagem da armada de Vasco da Gama, ainda que essa motivação surja aliada a uma ideologia cujo valor fundamental é a “honra”. Assim, a viagem à Índia, cujas consequências são imprevisíveis, constitui, para o Velho que se encontra na praia, mais uma ação desastrosa em que o povo é arrastado para “perigos” e “mortes”, porque é enganado com promessas de riqueza e de glória, o que motiva a sua indignação. A argumentação do Velho evoca ainda o facto de a partida dos homens, que implicava o abandono do reino aos velhos, às mulheres e às crianças, constituir igualmente uma forma de fragilizar o país face ao inimigo.

Com efeito, estava em causa a resistência a uma nova conceção de vida da nação, o povo, ligado à terra, à agricultura, tornava-se aventureiro na conquista de um outro espaço – o mar –, contribuindo para a renovação do reino.

As palavras do Velho do Restelo não representam apenas o medo perante o desconhecido ou a defesa de uma ataraxia que se opõe a uma perspetiva de interpretação épica daquele momento da História nacional ou o apelo sensato da experiência face à ânsia de aventura, trata-se, efetivamente, de um discurso no qual se condena a política da empresa à Índia, subversão da visão e da versão oficial dos Descobrimentos.

Uma leitura atenta permite-nos, contudo, perceber que este velho criado por Camões não critica apenas aqueles que partem. A sua voz estende-se à ação do Homem enquanto espécie, pelo facto de este não se contentar com os limites impostos pela sua própria condição, revelando-se dominado pela “Dura inquietação d’alma e da vida” (est. 96, v. 1). Essa inquietação é simbolizada por três figuras mitológicas: Prometeu que roubou o fogo aos deuses para o entregar aos Homens, ato que lhe custou um castigo eterno – foi colocado no cimo de um monte, onde uma águia lhe comia o fígado, que se renovava em seguida – Faetonte, filho do Sol, que ao conduzir o carro de seu pai foi vítima da sua inexperiência e deslumbramento o que o levou a aproximar-se demasiado da Terra, que quase incendiou, e que penetrou os domínios dos astros, motivando a queixa destes e a determinação do Sol de matar o filho, como forma de o controlar; e por Ícaro que, depois de colocar asas construídas por seu pai, Dédalo, e de as colar com cera, para fugir do labirinto onde se encontravam presos, se deixou inebriar pela sensação do voo e se aproximou demasiado do Sol, o que provocou a sua queda e morte, pois a cera derreteu. O Velho constata, assim, que o Homem (cujas ações são simbolicamente associadas às figuras mitológicas mencionadas) deseja sempre alcançar aquilo que, apesar de causar sofrimento, lhe proporciona a recompensa da conquista. Na realidade, ainda aqui ecoa o som da voz do poeta ao constatar a fragilidade de “um bicho da terra tão pequeno”, que superará a sua condição ainda que, para tal, tenha que derramar lágrimas de dor ou o espere a punição. É esta atitude que caracteriza a condição humana indissociável do desafio, da prevaricação que conduz ao conhecimento e cujo primeiro testemunho é dado por Adão e Eva, no momento em que desobedecem a Deus, porque provam a maçã proibida; essa é a negação que o velho realiza em relação à essência da condição humana.

JACINTO, Conceição, e LANÇA, Gabriela, 2007. Análise das obras Os Lusíadas, Luís de Camões, Mensagem, Fernando Pessoa. Porto: Porto Editora

Inês de Castro

Morte de Inês-Estrutura 1)   Considerações iniciais Est.118-119: introdução: localização temporal da acção e apresentação do caso da ...